INDIGENTE POETA CONTRADITÓRIO
Moro aos pés de um Ipê amarelo
Na feliz Anhangabaú
Deito aos braços do flagelo
E do delgado céu azul
Quem dera, onde moro
Fosse mais que um viaduto
Fosse como um meteoro
Onde me quedasse o corpo bruto
Se as paredes de onde vivo
Não fossem cinzas, mas violetas
Eu teria sonhos tão efusivos
Ainda que de boca na sarjeta
Vejo o prata do céu
Com meu broquel escuto
Lá vem a chuva à granel
Banhar os moradores do aqueduto
Vejo a todos e não sou visto
Sou menos visível que minha muleta
Lembro-me de um dia ser benquisto
Hoje meu benquerer é a tarja preta
O álcool sana a ferida de outrora
Reduz a pó o contemplativo ódio
Acalma o ânimo com sua espora
Como uma espada num nó górdio
Adormeço e é hora do sonho
O mar finito paralelo do infinito
Vejo ainda mais do que suponho
Ponho os pés no próprio céu que orbito:
Agosto de Deus é nó na garganta
A chuva de rompante se espraia
Até que a ultima gota enfim caia
Dissimula a raiz de uma mera planta
Chuva que perturba a toda laia
Água que deságua numa praia
Acoberta o universo com sua manta
Universo feminino Deusa Gaia
Nos impele em pele de cobaia
Então nos diga, ser, de que adianta?
Nos guardar sobre sua atalaia
Torcendo pra que o mundo todo caia
No sopro oco que tu mesma suplanta?