PASSEIO PELA VIDA

Hoje saí a andar pela cidade em que moro,

seus caminhos sem fim e suas ruas cheias de sinais,

fiz o que nunca havia feito antes, reparar, perceber,

mais que isso, entrar dentro das coisas e perguntar seus nomes,

conversar como quem sente a água descer pela garganta,

ver como quem sente os dedos do sol levantando as pálpebras...

Pessoas em seus casulos, vendendo e pedindo atenção,

eretas em suas pequenas nobrezas e grandes em seus corações,

prometi não reparar no mal e nem no brilho de sua faca afiada,

me entregar à beleza de viver com o compromisso de respeitar

o grão e a montanha, as janelas fechadas e as portas abertas,

o riso dado e o riso recebido como frutas do mesmo pomar,

o menino e o homem, a menina e a mãe, iguais no amor...

Mesmo sem querer se tropeça num colar de falsas pérolas, caído,

um brinco esquecido no vaso de flores do restaurante, em frente,

o aceno do homem que carrega restos de sua humanidade,

saber o quão é belo rir sem motivo, apenas por afeição,

se sentir parte do que acontece à sua volta,

andar de braços dados com o acaso

e sentir o movimento do amor

dentro de todo o corpo...

Muito mais poderia contar, dizer, mas espero ouvir de você

outras coisas que não percebi ao longo da estrada,

onde talvez estivesse a me ver passar, curioso,

e quem sabe, num dia qualquer, nos encontremos,

mãos cheias de fatos e repentinas tempestades,

nos sentemos para um café, a olhar, ambos,

a cidade que abre os braços e nos envolve...