VIDA RASCUNHO DA ARTE UTÓPICA
Não, não se apaixone pela minha arte,
Ela não é o que sou.
A arte é a utopia que
Minha experiência empírica
Deveria ser,
Mas não o é.
A arte é a perfeição do mundo
Em que existe o quadro da minha vida
Pintado por mãos imperfeitas
E mortais.
A arte é o divino,
O tudo que seria pleno
Em criatura ambulante.
Mas sou meramente humano.
Como posso não gostar
Da literatura vivida de mim
E jogar fora como um rascunho
Para começar tudo de novo?!
Não posso.
A arte da vida é o que é,
Se a vejo como rascunho,
Como lixo, ela é
E não posso descartar
Como uma página mal escrita
Que rasgo e me esqueço dela.
Porém o rascunho é a obra.
Não se apaixone pela minha arte,
Se apaixone por esse esboço,
Por esse rascunho.
Se apaixone por esse rascunho
Que numa linha ou outra
Da obra de si, é gênio,
Enquanto em centenas de páginas
É tolo, rasurado, rabiscado,
É rascunho.
Se apaixone pelo que, a obra falha, é,
Não pelo que ela almeja ser, sentir,
Achar que concebe, que vê.
Não tenho a borracha de Deus
Para apagar as páginas que não gosto
Deixando só rastros de beleza rara.
Se apaixone pela minha humanidade,
Por esse erro,
Por essa completude incompleta
Por esse rascunho.
Só existem rascunhos no mundo,
A arte em forma de humano,
Em cada inspirar e expirar,
É utopia, é inalcançável.
Se apaixone pelo rascunho, sim,
E aprecie a arte, goze da arte,
Mas entenda, que a criatura, o meio,
O ser que sente seus momentos de arte,
É um pobre, amassado, rascunho.
E é bonito assim...
O rascunho não pode ser substituído,
Suas cores não podem ser ocultadas,
Suas rimas, ou suas faltas de rimas,
Não podem ser apagadas,
Suas formas, mal esculpidas,
Mas ainda moldáveis,
São tangíveis, observáveis.
E há obra maior, rascunho,
Que ser infinito
E beirar o inatingível?!
Que ter os pés no fundo do abismo
E as mãos na luminosidade das estrelas?!
Que ser medíocre e metafísico?
Que ser mesquinho e complacente?
Que viver como animal
E ver relâmpagos de Buda?!
Há obra maior que o rascunho?!
Se for se apaixonar,
Se apaixone pelo rascunho,
Ele é só o que existe
Em forma de gente.
A vida, com suas imperfeições,
É a obra
E não a forma-arte da obra,
Que se dá do ser,
De dentro pra fora
Voluptuosamete.
A Arte em vida,
Em sua total plenitude,
É utopia.