O CHAMADO

Quando a morte chegar estarei esperando, na curva da estrada,

estenderei a mão para a carruagem de cem mil cavalos,

arrancarei do bolso o poema que escrevi para a sua chegada,

o lerei em alto e bom som, como fogos de mil estalos,

subirei pelo lado esquerdo e serei levado à sua mansarda,

sei que serei servido pelo silêncio: o último pedido, o halo...

O porei em minha cabeça cansada dos cem zilhões de pensamentos,

reinarei no único reino onde poderei mandar e desmandar,

ali, onde catedrais de vidro moram nas montanhas dos ventos

que uivam para o outro céu, feito de adocicado manjar,

ali, onde um senhor barbudo constrói pedaços de tempo

que gruda às costas dos homens que vivem de sonhar...

Terá se cumprido o que chamam de inevitável destino, chamado,

viverei às expensas da eternidade, senhora de posses atemporais,

lá serei aquele que deixou de viver e sentir para ser o bardo

de cantos e odes e sinfonias canônicas, visgos de sonhos verbais,

que deixou para o mundo apenas seu pequeno e simples recado,

nenhum diamante ou canto terá valor sem a poesia dos animais...