NO TERMINAL DE ÔNIBUS
Ontem, no terminal de ônibus, apinhado,
como se estivesse no inferno de Dante,
pensei que não era deles o pecado,
cortou-me o coração, por um instante,
quase chorei, segurei o desaguado,
enfermo, como se estivesse diante
da maior fila de seres desesperados,
me perguntei se valia a pena ter sido estudante
de filosofia, ter lido Shakespeare, ter cantado
canções de política e de amor, ter sido diante
da platéia um poeta de versos lapidados,
prometi a mim mesmo jamais ser pedante,
escrever em inglês ou num chinês arcaico,
resolvi abandonar os poemas cruciantes,
varri o coração, o tornei preciso e laico,
não ouso mais versos de bobos amantes,
nem versos de tom campestre, prosaicos,
me volto agora a escrever ao abundante
povo cerâmico, que reza, não em aramaico,
desfiz as malas da poesia e a pus, saltitante,
diante da multidão de famintos e bárbaros,
compreendi a poesia como o rijo barbante
por onde passam os destemidos, os trágicos,
o povo não precisa de poetas delirantes,
sim, de pão sobre a mesa, salário básico,
de luz no fim do túnel, luz constante,
de homens de palavras, seres fantásticos,
precisam de mudança quando estiverem ante
o mais precioso do destino, o fabuloso acaso...