VIDA DE CACHORRO
Como se numa selva levo meu coração aonde devia estar,
ao outro lado do rio, onde moram os de coração limpo e que amam...
Vejo tua janela fechada e grito teu nome e o silêncio recita as letras,
um fiapo de luz entre as persianas, sei que me espias, sabes quem sou,
a estrada é pedregosa e não posso parar nem para te esperar...
Como se num rio profundo e cheio de armadilhas e animais perigosos
dou braçadas fortes e tento alcançar a margem do outro lado do rio,
nas costas uma mochila com os cadernos de poesias enrolados
dentro de um saco plástico, duas ou três canetas, poema inacabado,
olho a luz distante e me esforço para chegar ao meu destino,
o que escolhi, galhos e restos de isopor e latas de tinta me impedem,
enfim chego, cansado, me seguro nos galhos das árvores,
me levanto, me ergo, acho a trilha entre a folhagem,
sigo, cabe a um homem levar a si até onde
ele deve chegar...
Levanto, de manhã, em meu quarto confortável, bem arrumado,
ligo o som, invade o espaço a banda The Killers, me lavo,
me escovo, me penteio, me coloco a coleira,
lambo a mão do meu dono,
ele me afaga, ajeita sua blusa,
saímos à rua, me sinto feliz,
caminhamos e apressamos o passo,
damos a volta no quarteirão,
duas vezes corremos na praça,
três homens chegam, armados,
meu dono entrega a carteira,
é baleado, caí devagar,
me enfureço, mordo a perna de um deles,
mordo a do outro,
o terceiro atira,
sinto a vida sair por um funil,
meu dono me reconhece,
apanha a coleira,
subimos os dois,
batemos na porta do céu,
nos deixam entrar,
mijo na porta,
olhamos para baixo,
lá estamos deitados cheio de gente em volta,
nos cobrem com papel alumínio,
recolhem nossos corpos,
o parque do céu é mais bonito,
não há assaltantes,
nem escutamos gritos...