NUM ESTALO

Um dia pensei que o povo

fosse um ovo

pronto para ser rachado

e lá de dentro viesse o nunca declarado

sobre a clara manhã que viria

mas que disseram que era filosofia

que o povo nunca seria um cão domesticado

porém - nunca antes perguntado -

e saí à rua de tantas domésticas

tantas janelas proféticas

e vi que o povo

era José

João

Maria

Jeremias

Malaquias

o vendedor de bilhetes

o sorveteiro

a moça fria

que se recusava ao casamento

era o que era por fora

o que dentro se arvora

uma imensidão de poesia

o povo

era a palavra que cria corvos que voam

sobre as cabeças negras

vi que o povo

era só o porco deitado no chiqueiro

era o poema-esterco

húmus no celeiro

no cocô do cavalo

e

num estalo

entendi

que a massa a turba a messe a multidão

era feita de grandes e pequenos pedaços

sempre do mesmo coração...