DEVE SER

Quando erro o lugar onde o prego deveria ser fincado,

e acerto na segunda vez, não posso esquecer que a marca

da primeira batida lá está, mesmo que eu a cubra;

a superfície que foi atingida é quem me lembra

que eu não posso esquecer...

. . .

Quando acerto o lugar onde o prego deveria ser fincado,

na primeira vez, nem me lembro se a superfície se lembrará;

o ato de acertar é o ato de esquecer como o ato de esquecer

pode ser o momento de se lembrar do inesquecível...

. . .

Quando nem acerto e nem erro a fincada do prego,

deve ser porque não tenho nada a pregar,

nem porque ferir qualquer superfície;

mais, devo estar fazendo outra coisa que não marcar

a tábua que estava a descansar da sua condição de árvore,

devo estar a descansar sob a sombra da árvore

que ainda não virou tábua para um possível prego,

uma possível martelada em sua superfície lenhosa...

. . .

Quando esqueço e nunca mais me lembro do prego e do martelo,

deve ser porque devo estar pintando um quadro,

trocando o pneu do carro, escrevendo um soneto,

deve ser porque estou mexendo no corpo da natureza,

fazendo um filho, admirando estrelas que passeiam

no alto do azul mais escuro, que chamamos de céu...