POVO
Povo é:
Aquela que pede perdão por ter batido no filho
que roubou o pacote de milho
e o guarda do supermercado pegou
a mando da mãe é que não foi
se fosse pacote de arroz poderia ter sido...
Aquela que vai na cabeleireira e volta toda mudada
esmalte nas unhas e nem se vê as marcas do cabo de enxada
que tem três filhos antes dos vinte e nove
e discute o preço da escola com sua vizinha mui nobre...
Aquele que vai no boteco e discute salário de jogador
e joga na maquininha o dinheiro suado de entregador
bebe três pingas e diz que tá atrasado pro almoço
e vai embora levando na boca – da azeitona - o caroço...
Aquele que sonha com a mega-sena na fila da loteria
e conversa dizendo que se ganhar vai comprar uma ilha
e levar os amigos pra passar um mês comendo camarão
e todo mundo em colchão macio – ninguém vai dormir no chão...
Aquela que escolheu o marido quando ele passava na rua
sem saber se o cidadão um dia ia lhe sentar a pua
que sonha com flores mas só recebe espinhos
uns dois ou três tapas por dia – nada de carinho...
Aquela que mandou uma carta pro programa de televisão
e foi sorteada mas não tem vestido pra ver o Sílvio Santos
e na manhã de domingo abre a mala jogada no chão
e só tem o vestido de casamento – então cai em prantos...
Aquele que um dia se põe a reparar no rosto diante do espelho
e vê que ficou velho e os dentes restantes estão bem puídos
e num repente de tristeza cai diante de si mesmo – de joelhos
num relance de inteligência pensa – se eu fosse outro o que teria sido?
Aquela que descobre ao pentear os cabelos que ainda é bonita
que tem seios fartos e que o amor passou por sua vida correndo
e procura o gozo solitário como na série de TV – a bela Anita
e dá-se ao homem sonhado – rindo – com os joelhos tremendo...