Poesia em 5 atos
“A MORTE É O PRIMEIRO ATO.
E SERÁ O ULTIMO TAMBÉM.”
J. Last
PRIMEIRO ATO: A FORMIGA
Tão feliz a formiga
Conversa com suas amigas
Nunca se queixa
- Deus me livre! É tudo tão perfeito,
Tem seu jeito
Sua família.
Ela se obriga
E se arrisca,
Mas mantem-se sempre a procura
De uma felicidade vazia.
Quanto mais açúcar tiver
Mais perfeita sua vida.
Até que em uma dessas buscas
Em um caminhar imperfeito
Vê o monstro de nariz vermelho
Que tantas comentavam
Horror implacável.
Tenta correr,
Mas é inviável.
É pequena demais
Desprezável
Antes de morrer começa a pensar
Porque me deste tudo
Menos a chance de gritar?
Nem sei se quero o que eu quero
E minha vida:
Será que foi o que eu queria que fosse?
Mas foi-se.
E ainda
Nos últimos segundos de vida
Resmunga-se para o dono de tudo:
“Se as palavras jorrassem de mim agora
Espalharia minhas loucuras
Pelo mundo afora.”
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SEGUNDO ATO: O PALHAÇO.
“Fiz hoje
Dezenas de sorrisos,
Mas eu
Nem sei mais que tomo de comprimido
Faz-me rir, oh vida ingrata!
Suporto mais do que o tédio
Esse maldito remédio
Já não me traz nada.”
O palhaço teve sua plateia
Todos a admirá-lo.
Coitado.
Perdeu o juízo.
Nem consegue se lembrar o que é um verdadeiro sorriso.
Ele pode ver,
Mas não consegue ter.
Tudo que sente
É satisfação.
Ato sem coração
Quando captura
Com suas agulhas
pequenas formigas impotentes
Não sabe se isso o deixa contente.
Apenas
Faz.
E ainda
Quer que por ironia
Tudo se torne diferente.
Quer que o mundo mude
E num simples instante
As formigas possam falar:
Se vão morrer
Elas têm de se defender.
“Ora
Isso é o mínimo!”
Diz ele
Pensando na sua plateia sorrindo:
“Se vais morrer
Então grite!
Se puderes sentir dor
Então grite
Senão
Nem dor existe.”
Mas nada.
Elas nunca dizem nada.
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TERCEIRO ATO: O ESCRITOR.
Por que tudo dá errado?
Não há mais dinheiro
amor
Ou sequer um trabalho.
O que ele fez
Para que desse tudo tão errado?
Ele se pergunta
Quebra as coisas
Se machuca
O que mais falta acontecer
O que ele fez para merecer?
Alguns meses antes
Ele fez uma promessa
Dessas de fim de ano,
Mas promessa é promessa.
Ele iria amar
Ele iria enriquecer
Iria passar pelas ruas
E todos iam o reconhecer.
Era pra ser assim,
Mas deu tudo errado.
E ele
Já desolado
Escreveu suas últimas linhas
Em um papel
que logo foi atirado ao lado:
“Eu que prometi tudo
Tentei entender o mundo,
Mas ninguém sequer me quis.
Vida
O que eu te fiz?”
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QUARTO ATO: PROMESSAS.
O escritor prometeu não ligar
E não se importar
Apenas fazer sorrir
E a tantos poder ajudar.
A formiga prometeu ficar com a suas
Não seria mais obcecada por açúcar.
Não queria muito
Não precisava de tanto
Ela só queria aproveitar
O que lhe restava de vida
Com o seu bando.
Família.
Ela queria ter uma família.
O palhaço
Só queria fazer rir.
E do picadeiro
Ele não iria sair
Até que a última gargalhada
Fosse encerrada
E as pessoas a aplaudir.
Isso o fazia existir.
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QUINTO ATO: A MORTE.
Em um quarto
Uma corda de sapato
E uma cadeira.
Foi-se a vida por inteira
E as incertezas todas.
Morreu um escritor
Ao olhar para o folheto
De um palhaço e seu picadeiro
Que estavam na cidade.
Deixou de existir,
Mas antes pensou
Que deveria ter ido assistir
O tal show.
Insensatez.
Sorriu
E foi a última coisa que fez.
A formiga
Morreu querendo escrever.
Tudo que queria era poder dizer
Tudo o que lhe engasgava.
Coitada.
Morreu em uma ironia.
Não podia gritar
Nem escrever suas idiossincrasias.
O palhaço foi mais violento
Um revolver e um estouro noite adentro
Partes de cérebro e sangue voaram como excremento.
Uma parede já não é mais branca.
Antes de morrer
Chorou.
Acho que enfim lembrou
Como era seu sorriso.
Mais uma alma foi levada ao paraíso.
Obrigado a todos pelo show.
Sentada
A observá-los
A dona morte sorri sarcástica
E termina o espetáculo:
“é engraçado
É tudo tão engraçado.”
FIM.