Sem pose
Ao longo dos anos, eu perdi a pose.
Foi uma bênção.
Quem está sempre apoiada no salto, com a coluna reta, cotovelos fora da mesa, cílios e sorriso postiço, está em pose. É estátua de gesso.
Embora as estátuas sejam maravilhosas, e ali, paradinhas, sem respirar, contam histórias, eu prefiro e preciso ser outro tipo de arte: ser eu mesma.
Sou arte automática, independente dos planejamentos e roteiros a seguir, eu nunca sou a mesma coisa. Sou aquele quadro que a cada olhar se descobre algo novo, porque a cada olhar eu mudo. Aquele poema feito, refeito, riscado, ditado, mutável.
Não sou estátua, tenho calor no corpo, que está sempre crescendo, os olhos brilhantes ao contrário do gesso.
Estátua é transformar nossa pele em gaiola.
''A moça está tão sem pose
Numa ilusão tão serena
Que, certo, morreu feliz.''
[trecho de ''Balada da moça do Miramar'', de Vinicius de Moraes]