O SUPERGALO

O menino escuta o galo cantar,

longínquo,

quando então percebe

que seus pais

passaram a madrugada vivos

e tudo é infância:

olhos nascem de árvores

após a manhã escolar.

O menino prossegue

e o canto do galo ainda soa,

até um dia surgir tanta puberdade,

que o menino inventa o supergalo,

herói mascarado,

inventa o beija-flor homem de aço

e o capitão bem-te-vi

para ser lido em quadrinhos.

O canto do galo continua

nas auroras

da grande cidade que surge

sem recantos e vagalumes

e o menino cresce

para assistir ao noticiário matinal

(há pessoas inconstantes,

que estreiam todos os dias) .

e sair diariamente,

firme, ouvinte e maduro.

Nada pergunta sobre a massa,

mas quer saber dos vencimentos

e outros domínios.

O galo cantou ao alvorecer

para os poucos homens que suportam

o fim de amores e a antemanhã do caos,

beijos diversos.

O galo segue a sua melodia para o antigo menino

na buraqueira dos dias

e o menino possui agora,

badaladas mais vizinhos,

quando algo surge em todas as línguas

que se confundem mais e mais;

há o “down”, o “town” e o “pero ahora” .

O galo executa seu hino

durante a conta

e a conferência do menino.

A ave canta ao amanhecer

e o canto agora é distante e demora-se

como em uma esclerose múltipla.

Há muitos cômodos

e outras veias rasantes na cabeça idosa.

(Se os dias produzem estrondos

eles não acontecem sem o canto do galo

que ainda soa longínquo

porque tudo é infância).

O galo canta

e nem perguntam,

ao novíssimo garoto,

onde está a ave

porque o garoto finalmente vê a própria

(vê também um calombo).

É um senil galo carijó,

ave companheira,

que não canta mais

Ele ri, ri nas adjacências,

e mostra a demência senil intacta

como uma crista.

Do livro:" A criança, substantivo sobrecomum"

phcfontenelle@gmail.com

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 19/11/2016
Reeditado em 16/03/2018
Código do texto: T5828753
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