UM MOMENTO DA CIDADE POSSÍVEL

O avião Airbus saiu da pista,

pareceu alçar voo,

levantou a asa direita,

mostrou a pança esbranquiçada,

mergulhou e explodiu.

A queda do Airbus em 2007 surgiu assim para o menino,

foi como ver um dinossauro de frente.

perder a noção do tempo

atrás de um assombro luminoso.

E o assombro também era o lado oculto da lua.

Mas o menino estava dentro do carro,

era o terceiro veículo

da segunda pista,

sobre o viaduto

onde passaria o avião por cima.

Passou o ar quente por baixo

em outra contramão.

O ar quente nascia do quarteirão em chamas

e veio e não parou de vir

e seguiu pela avenida 23 de maio.

Chegaria ao obelisco pelos mortos

da Revolução de 32.

O menino lembrou

e depois não entendeu o monumento:

“Em qual lugar estavam os mortos?

Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo,

se o fogo estava ali?".

Alguém gritou que era preciso voar.

Alguém gritou que iria explodir de novo.

Não explodiu.

Alguém gritou que iria explodir de novo.

E quase explodiu,

não fosse o ar preso nos pulmões do menino.

Seu carro saiu.

Devagar.

Passou ao lado do fogo e da nave

que se misturava dentro da toca

e ficaria ali.

(Estávamos em São Paulo,

queimava tão perto.

Morreu todo mundo).

Em um aniversário da tragédia,

de julho de 2007,

o menino voltou ao local.

Construíram uma praça

e vários obeliscos.

Havia flores, fotografias

e uma chupeta de bebê

(Disseram que o bebê do voo não existiu).

O Airbus caiu perto do aeroporto de Congonhas,

e falaram do amor das famílias;

falaram da caixa preta,

marcante como um brinquedo.

As famílias das vítimas trataram de tudo com uma placa

enorme:

“AQUI OCORREU O MAIOR ACIDENTE AÉREO DO BRASIL”.

O menino quis entender a razão do anúncio.

(São Paulo é outro lugar,

em Nova York Torres Gêmeas são maiores,

aviões e tragédias são mais iluminados.

Aqui é mais fácil perder os recordes).

(Perto da Praça das Bandeiras,

há um edifício chamado Joelma,

em um antigo incêndio

morreram quase duzentas pessoas).

( Todos os dias,

às nove da noite,

a praça já escureceu).

Hoje o menino visitou novamente o local da queda

finalmente reparou

a árvore que saíra intacta do acidente.

Chamam-na de a “árvore da vida”,

mas o menino pareceu ver ali um tipo de crocodilo.

Um crocodilo para os passantes.

Um crocodilo magnético abocanhara a nave,

não foi o outro réptil, revelado pela mídia,

o também traiçoeiro, ameaçador,

o que ficara televisível e inesquecível:

pista molhada para pousos.

Poema criado por quem viu a queda da aeronave.

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 04/11/2016
Reeditado em 28/11/2021
Código do texto: T5812652
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