A CRIAÇÃO

Vi um homem no céu a desmontar o sol,

a roubar da manhã silente cada arrebol,

enfiar nos bolsos raios puídos,

mudos, olhos de vidro...

De noite um homem, a roubar a lua,

deitou-a sobre a carroça, toda nua;

célere, atravessou a Via Láctea escura:

roubara o brilho que caía em toda rua...

O mundo, num perpétuo breu sem nenhum brilho,

resolveu inventar sua própria luz, gerar o filho

que iluminaria cada olhar perdido sem vida e nome,

gestou nas entranhas do mundo, aquele, o homem...

Um choro de miúdo esforço ecoou pelo universo,

aclarou breus, abriu fendas, entoou versos

que só a voz humana produz em seu útero que cria,

veio ao claro que recomeçava a filha da luz, a poesia...

E tudo se renovou, desde a miúda planta ao alto carvalho,

cantigas foram compostas às amadas, a voz do bardo

enterneceu pastores e apascentou ovelhas, veio a cor

mais rubra que houvera e deram-lhe o nome de amor...