DIÁLOGO PROVOCAÇÃO - FERNANDO PESSOA E CLARICE LISPECTOR
Pessoa - Se te queres matar...
Lispector - Apenas se levada pela onda do mar
Pessoa - Por que não te queres matar?
Lispector - Não estou ainda afogada em mal estar
Pessoa - Mas certamente está afogada em literatura
Lispector - A palavra cicatriza, mas nunca cura
Pessoa - E qual problema com a cicatriz?
Lispector - Não afastar pra sempre os males pela raiz
Pessoa - Mas ao menos cura os males em sua matriz?
Lispector - Mesmo assim morremos, disse a falecida imperatriz
Pessoa - De certo sempre e sempre morremos
Lispector - Então de quê e para que vivemos?
Pessoa - De plantas e fantasmas, disse Nietzsche
Lispector - Pois que seja, pra viver não há limite...
Pessoa - Não há sequer um convite...
Lispector - Então jazer talvez evite...
Pessoa - Mas uma vez vivo, estará eternizado!
Lispector - Me parece profundamente arriscado!
Pessoa - Só há risco em não viver realmente
Lispector - Só há morte onde não há prazer eloquente
Pessoa - Só há vida onde há alguma centelha
Lispector - Encara-te na própria sombra que te espelha
Pessoa - Espelho em mim apenas dúvida e pergunta
Lispector - Sinto muito mas razão e sentimento não se junta
Pessoa - Realmente não, mas o espírito os conforma
Lispector - Revolução interior não é apenas doce reforma
Pessoa - Tudo se transforma e retorna à leda quimera
Lispector - O corpo torna-se poeira e a pressa torna-se espera
Pessoa - O silencio torna-se barulho e o certeiro torna-se indeciso
Lispector - O feto torna-se alguém e o prolixo torna-se conciso
Pessoa - Navegar torna-se estável, viver torna-se preciso
Lispector - Precisar torna-se caótico, Navegar torna-se impreciso.