A VIDA IMITA A ARTE?
"A vida
imita a arte"
assim como o gesto
imita o espelho;
são palavras de protesto
ou de conselho
dum indigesto
olhar abjeto
concreto e vermelho
como um objeto
frente ao espelho.
A arte imita tudo
e a vida, acontece
seja raso ou profundo
reluz, resplandece
uma célula ou o mundo
transpassa e transparece
seja grave ou agudo
esquenta ou arrefece
e sempre contudo
elucida ou entorpece
seja pálido ou parrudo
pois é o que parece:
é barulho ou mudo
é ausência ou prece
e de certo logo aludo
pois quem sabe não esquece
que a arte enobrece!
que à vida saúdo!
A vida disse a arte:
"vêm que eu te guio
segura minha mão
sem ti sou mera parte
dum joguete esguio
errante na ilusão".
"E serei irrisão..."
cantou a arte em dança:
"um cubo de neve
na lava do vulcão
sem vida e esperança,
então me leve
no seu coração
como lembrança
da união que nos serve".
A vida quase sorriu:
"Mas tem certeza?
pois quase tudo vive
e respira tranquilamente
sem pensar em tal beleza
pois, por onde estive
do leste ao ocidente
vi pouca arte com franqueza
vi muita vida que inclusive
parece dia sem poente
parece planta sem natureza
parece lágrima em declive
parece terra sem semente".
A arte enlouqueceu:
"Somos Romeo e Julieta!
somos palavra e metáfora
somos ruína e apogeu
somos o moderno e a obsoleta
somos poeta e anáfora
tudo existe por você e eu
desde o casulo à borboleta,
do recluso à anáfora..."
A vida então chora:
"Ora juntos estamos
pela ampulheta interminável
cultivando o que aflora
e as raízes que fincamos
são da arte, a mais amável!"
"Somos um só,
unidade,
errante e vivêncio
como um nó,
dualidade
O resto é silêncio".