O TEMPO DO MUSGO

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Você sabia que nós somos muitas pessoas numa só? Parece até que somos acúmulo de vidas passadas. Mas que bobagem, eu não sou espiritualista. Eu sou um jardineiro que fotografa suas flores quando desabrocham.

Também faço retratados de pessoas, mas dá muito trabalho encontrar quem é a pessoa dentro dela mesma. Pessoa criança é diferente, são como flor na frente das lentes e irradiam o desejo de eternidade estampado em suas faces.

Sou irmanado de tudo que faço, trago terra úmida nas mãos sujas, e gosto. Gosto tambem da chuva quando cai antes de eu terminar o que tinha começado. Nesses dias, quando chove, termino bebendo um pouco do céu como as mudas plantadas nos vasos.

Eu fotografo quem não pede, fotografo coisas vivas esquecidas e formas gastas pelo tempo... Flor murcha, inseto morto e seco, ervas rasteiras e frutas em decomposição na terra coberta de folhas também esquecidas. Eu tambem fotografo animais guardados vivos para o consumo, vacas cabras ovelhas no pasto. No galinheiro fotografo ovos.

Gosto muito de fotografar um tipo especial de pessoa, você saberá me entender, sao aquelas que parecem estar vivas andando nas ruas quando são apenas o vazio em movimento.

Toda vida carrega o tempo da sua gestação e se dá aos olhos, pois que revelam marcas sutis ou estrias avermelhadas.

Eu gosto de fotografar o musgo verde, observo o tempo passar ali. Você sabia que o musgo é, entre todas as criaturas fantásticas, a que mais conta histórias? É que o musgo leva mais tempo para ganhar porte e insiste permanecer quando os outros objetos já saíram de cena...

Vida é movimento, notar o movimento lento do musgo é ver o tempo evocar histórias há muito empoeiradas. Nalgum canto da minha cabeça, histórias fantásticas parecem muito com o que se vai vivendo. Nem sempre ouvimos, nossos ouvidos estão sempre ocupados. Mas o certo é que ouvimos mesmo quando não queremos. Em nossa mente, muitas vozes não são a nossa voz. Tudo o que já nos disseram um dia se confunde e, no oco da cachola, têm a aparência de ser nosso. Ouvir a voz do musgo é exercício de escutar o silêncio, posso deixar a mente mais vazia e fotografar histórias.

Isso é bom.

Você sabe, o musgo ressurge depois de muito tempo ressequido e cresce em lugares onde mais nada sobreviveria. A presença desse objeto alienígena na Terra remonta mais tempo que a de muitos outros. Eu não devia pensar essas coisas mas é assim que acontece com a mente esvaziada. Posso ouvir no silêncio histórias narradas pela boca invisível do musgo. É verdade, a vida alimenta a vida. Sei das pessoas que parecem musgo, amo todas elas... E sei outra coisa, ouvi de um menino musgo. Ele me disse que o incrível não pode ser destruído, que ao inacreditável pode acontecer de ser posto à vista. Aprendi que o imaginado nunca é desfeito. Só não sei nada do amor...

Não ria, mas acho sinceramente que o que acalma a ventania que vai na minha alma é o tempo colorido do verde musgo nas bordas desse vaso mudo.

Antônio B.

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 01/07/2016
Reeditado em 06/07/2016
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