DE SOL A SINA.
Enquanto a terra vela
As suas raízes secas
A lágrima reles respinga
Nas cascas podres das cercas.
Enquanto a carne é pouca
Para um corpo perdido
A alma sobe a serra
Eleva-se de peito erguido.
Quem é o dono do chão?
É um patrão esturricado
Que não reza para o trabalho
Nele já sepultado.
A parte aqui mais larga
dará uma morada?
Só se for de dura pedra
Com uma laje caiada.
A onde matar a sede?
Aponte o rio que corre
A sede é toda vida
A sede aqui não morre.
Quem dera uma nuvem escura
De bucho grande e fecundo
Parindo um filho d'água
Para regar o mundo.
Quem expulsou teu pranto
Me diz tens testemunhas?
Aqui se arranca a tristeza
Com as pontas das unhas.
Me mostra qual o caminho
Que leve-me ao meu prol
Aqui qualquer caminho
Vai dá sempre no sol.
Essa espingarda de encrenca
Há nela pólvora prevenida?
Tem bala ruim vagabunda
Que despreza a vida.
Como dormir com medo
Nesse escuro carbono?
Se apaga o vagalume
E aí pega no sono.
Se o frio te encolhe o corpo
O que em te te agasalha?
Num corpo já quase morto
Lhe cabe qualquer mortalha.
É uma terra bem vasta
Pra um povo pequeno!
A largura é de um pé
Para medir o terreno.
Porque as mandiocas
Ocultam suas manivas?
A garganta desse solo
As engolem ainda vivas.
Dá-me um copo d'água
Para que eu floresça
Teu desejo murcha e seca
Antes que a água apareça.
Pois então me mostras
Uma sombra mui fria
Terás sob a prata da lua
Quando se for o dia.
Me livras da emboscada
E do tirano mundo?
Chorarão as carpideiras
Por te frio moribundo.
Por que a terra exausta
Tem rachas que lhe fadiga?
Sem chuva mofa as ervas
Lhe deixa órfão e mendiga.
Por que gemi o vento
Sobre as caveiras toscas?
Pra servir de ladainha
Junto com as moscas.
Será que nessa terra infinda
Brotara algum herdeiro?
Aqui tudo que nasce
A morte herda primeiro.
Nenhum hectare aqui
Terá uma alma herdeira?
Só as pedras e os espinhos
Que vestem a feia caveira.
São léguas muito as avessas
Eu posso em que ajudar?
Nas contas desse rosário
Se tens o dom de rezar.
A onde estão os teus velhos
Mudaram-se todos da serra?
Aqui tudo se muda
Para dentro da terra.
Então por que tu não pedes
Para ir já embora?
Porque eu já me fui
Em bom tempo e hora.
Por certo também irei
Incerto é meu destino
Talvez não mais o tenha
Perdi quando menino.
Deixo de água apenas
A poça da minha urina
Sigo eu meu velório
Cortejo de sol a sina.