A cantiga do boêmio
Nem bem tenho meus dezenove anos
E, como se a morte já se prenunciasse,
Mórbida palidez cobre meu rosto
Como se de um fantasma vissem vós a face...
Caminho roto e sem perspectivas
E nos bolsos não tenho nenhum dinheiro.
Só entrego-me à plácida indolência
E espero a amiga Morte o dia inteiro
Sem que ela venha. Então, acendo o fogo
E trago um saboroso charuto,
Contemplando a fumaça que se evapora
Qual nosso tempo de vida a cada minuto...
Nunca beijei eu lábios de donzela...
Pois só encontrei cocotas inconstantes!
Prefiro o gargalo da garrafa de vinho,
Companheiro meu a qualquer instante.
Mas, ainda assim, eu vivo a sonhar
Com alguma pálida Laura ou Beatriz;
Sonhar com amores imaginários
À noite faz com que eu durma mais feliz...
Não obedeço a nenhum senhor,
A nenhum mestre ou a nenhum rei
(Com exceção de Deus); e estudante
De Direito, escarneço da Lei...
Faço versos, na patética esperança
De me equiparar a Byron ou Azevedo.
Tomo dez bebedeiras; são dez cantos
De um épico à moda antiga um arremedo.
Mas não dedico nada a essas menininhas
Que veneram Tati Bernardi e Caio Abreu;
Dedico-os, sim, à minha amiga Lua,
Que vela por mim no noturno breu...
Leve e despreocupado, vivo sempre
Sem me importar com nada ou ninguém...
E à noite, repouso minha cabeça
Em leito tosco; mas durmo feliz, porém...
Comerei meu chapéu puído, amigos,
Se houver coisa melhor que a boemia!
Os três preceitos para se viver feliz
São o ócio, o amor e a poesia!