Tentando Protelar o Tempo
 


Quem de nós não tentou,
mesmo que sabendo algo infantil,
ou pior ainda, inútil, ainda assim,
não imaginou parar o tempo?
Quem sabe, então, protelá-lo ao máximo?
Mas o tempo não quer.
Então, por que não desprezá-lo?
E logo concluir que a indiferença do tempo
é maior que o desprezo
que possamos lhe oferecer.
Por isso algum medo do cotidiano,
vendo-o como a guilhotina
dos sonhos infantis.
Não se trata de ter saudade da infância,
mas sim, da possibilidade
de sonhar da criança,
da antiga esperança, irreal, mas feliz.
Uma ingenuidade tola, porém pura.
Devaneios e divagações,
e vem logo a razão
e esbofeteia-lhe a face.
Hoje já não é ontem,
e o amanhã é inevitável,
seja lá o que for isso.
Rebelde como só são os infantes,
enraivece-se, enfurece-se,
enche-se de ira, encontra-se
com o ódio que desconhecia existir.
Quer vingar-se daquilo que o feriu,
mas como fazer isso?
Seria possível
fugir do destino,
ou pôr o tempo  de lado?
Decepcionado e frustrado
em sua ingenuidade,
quer lutar, mas o alvo não existe.
A vida o manda aceitar,
a razão cínica sugere se conformar.
Então, retira do rosto, de forma ríspida,
uma lágrima que nunca caiu.
Veste-se do miliciano uniforme
com seus símbolos de maturidade.
Arma-se de insana coragem, 
abre as janelas e portas
da sua individualidade, 
espia meio ainda receioso,
e vê a tempestade a aproximar-se.
Mas tem a força dos indignados,
não vale a pena viver
se vida não for vivida.
Quer desafiá-la, quer afrontá-la,
faz pouco caso do mau tempo.
Superestima as próprias forças.
E, então, uma imagem a delinear-se,
asas a desenharem no céu
um voo desajeitado.
Um pássaro aflito  fugindo
do seu próprio ninho,
num desafio heróico,
enfrentando as turbulências,
pondo de lado
umas tantas reflexões,
para correr o risco de viver.

 
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 24/06/2009
Reeditado em 28/12/2019
Código do texto: T1665337
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