Janela
Janela
Janela.
Espaço onde tantas coisas se juntam,
em várias imagens e simulações possíveis
para formar uma estória.
As janelas me atraem.
Mamãe ficava horas na janela, olhando
a avenida Nossa Senhora de Copacabana,
no tempo dos bondes,
e se divertia muito.
Não gostava da janela da 24 de outubro,
em Porto Alegre,
pois só passavam “autos...”
Quando se mudou para a avenida Independência,
um apartamento de fundos,
adorava a janela, sentava até para ver melhor
o imenso Guaíba que dali se descortinava e dizia,
lembrando sua mocidade:
“parece que estou num vapor, almoçando e
vendo o mar, só falta o balanço das ondas...”,
então sorria bonito, lembrando sei lá o que...
Eu me escondo no escuro, há anos,
e fico olhando a multidão de janelas,
que apagam e acendem
nos prédios em frente.
Depois das 23 horas,
“un grande spettacolo a vintitré ore...”
vão rareando e de madrugada é uma aqui, outra ali e aquelas quatro que estão sempre acessas.
Então eu penso:
ali estão se amando,
ali o casal esta refazendo um orçamento para ver se o
salário dá para chegar ao final do mês.
Naquela outra tem uma festa.
O apaga e acende da que está mais longe é o quarto de um velho aflito com a solidão
- está com medo do escuro vazio...
A luz tênue de várias devem ser quartos de crianças pois, dali, também emana paz
que só a pureza de almas infantis podem irradiar...
As que ficam acessas são de doentes, digo eu, moribundos, que querem, sôfregos de vida, enxergar luz, muita luz até que a noite definitiva, sem estrelas
- a grande indagação - se feche sobre eles.
E assim vou eu, curtindo minha insônia secular,
esperando a aurora, única certeza de luz permanente
que não apaga e acende.
Venha aurora e traga luz, afaste as trevas da noite, encha com claridade o quarto vazio...
Não é prazeroso ficar procurando companhia nas luzes, que apagam e acendem na frente da minha janela.
Sinto ciúmes, inveja e raiva ao testemunhar
as possibilidades de dor ou de felicidade, iluminadas por lâmpadas várias, a existência de famílias...
Famílias são, sempre, efetivas possibilidades de amor, de companhia, de alegrias compartilhadas.
Minha janela, quase sempre é uma janela de hotel, sem luz própria. É comercial, de aluguel por poucas horas,
incluída na diária que pagarei, ao sair para nova
expectante jornada, que me permitirá observar
outras janelas, em diferentes paragens,
com suas luzes que, sem interrupção,
click clack
apagam acedem
clik clak
ódio amor
click clack
alegria tristeza
click clack
descanso exaustão
click clack
saúde doença
click clack
festa angustia
click clach
esperança desespero
click clack
vida morte
c l i c k c l a c k
c l i c k
c l a c k
je suis absolument seul…
clack.
(Publicado in Gerúndio, Editora Maneco, 2007)