negativas

Quando me negarem água

mesmo diante de minha sedenta vida

Quando me negarem espaço

mesmo diante da minúscula molécula

Ainda não me negaram tudo.

A consciência pré-existe à palavra

Os olhos existem antes da palavra

fonetizada de angústia

e humanidade

perfumada pelas entonações da alma

A alma pré-existe ao corpo,

aos desejos, às amarras

do cais

que pré-existe à ancora

mas que vem depois do mar

O infinito mar espalha

pelos quatro cantos do mundo

Meu indeciso caminho

Meu caminhar torpe e trôpego

É hora de partir

É hora de deixar tudo para trás

a estrada, a poeira, as placas

que ninguém lê

a cidade confusa e barulhenta

os passantes, pedestres e transeuntes

tão passageiros

tão efêmeros na longa viagem da vida

Só os solitários que querem avisar

ao próprio

espírito o que vem adiante

o porvir,

o instante de se surpreender com dejà-vu

O horizonte é um compasso prévio

E, abaixo dele ou depois dele

Há rito composto de silêncio e ansiedade

uma galeria expectante

uma mistura de óleo e vinagre

imiscível,

Irreconhecida

para a salada

imaginária da vida.

Salada de sentimentos,

de etnias,

de momentos,

de histórias que não morrem,

apenas emaranham

Quando lhe negarem apoio diante do seu pé manco

Diante do abismo imenso a lhe engolir

Só haverão as estreitas paredes do quarto

O berço quebrado de Moisés, a manjedoura

A cesta portadora de desprezo e rudeza

O trançar da palha soçobrando secretamente

a sorte de que se embala,

ao choro sincrônico abafado de panos e penas

Quando lhe negarem o direito de existir

E, você apenas responder com sua sobrevivência

Impagável impertinente de resistir

Ainda assim não acabou.

A munição do mundo não acabou

As guerras não acabaram

As gueixas e os escravos ainda existem,

Sob o eixo risível de permissão e medo.

Limite improvável de servidão

E degradação da dignidade humana.

Quando lhe negarem o

direito de apenas ser humano,

seja apenas o animal

sedento,

faminto,

encurralado e prestes à devorar

a vida, todo o mundo

como ato de desatino e,

não de instintos...

seja o animal urdido por suas dores

capaz de tramar contra a natureza

de seus desígnios.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 18/04/2008
Reeditado em 21/04/2008
Código do texto: T952183
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