suicídio solar
O sol insiste em morrer essa tarde
Há nesgas lilases no céu rubro
Gemem os pássaros que se recolhem
E se aninham nas árvores e a beira dos precipícios
As tulipas negras de meu imaginário
Velam um sono que não vem
Não adianta um corpo cansado
Uma alma putrefata e ardendo
dentro do quarto fechado
Pois o sol insiste em morrer diariamente
Em sacrifício suicida
Leva consigo as luzes e cores
E no negrume da quase-noite
Borda de diamantes o firmamento
São as estrelas
São constelações com seu desenho enigmático
a emoldurar a lua.
Fria e distante
A mesma lua dos amantes
A mesma lua dos náufragos
A mesma lua da última primavera
A lua de São Jorge
O sol agora é um misto cinzento no horizonte
Colore as nuvens que teimam em ser brancas,
alvas, limpas e intangíveis
Lá fora, alheia à tarde
Passam os transeuntes apressados,
As crianças que vão ao supermercado, a escola..
Os pais e avós preocupados se vai chover...
A alegria da chuva
Comemora a vida, a germinação intensa
de esperança e de vigor
É uma pena enorme
que as crianças não sejam eternas
Que fiquem como anjos, a iluminar nossa vida.
É uma pena que tragédias sejam necessárias
para valorizarmos a vida,
A vida, vida e a vida
Sempre.
Acima de tudo.
A todo custo e, a toda hora.
Porque sem vida, nada faz sentido.
Nada pode ser belo ou permitido.
É uma pena que a morte ceife alguns
tão cedo.
Antes de se arrependerem,
antes de semearem sua própria terra ou destino
Antes dos desenhos absolutos e caprichosos do
destino.
Antes da magia e do mistério.
Uma muralha erguida de pedras.
Uma porta de aço blindado.
Um manto invisível.
Uma grade, uma cerca ou cadeado,
Nada pode nos dar a autêntica segurança.
Nada pode nos garantir a vida.
O direito indeclinável de viver.
De sentir medo,
de ser socorrido.
Nada pode nos dar exatamente aquilo
que tanto queremos
quando saímos do útero
materno:
Respirar, chorar e sobreviver.
Agora, que já é tarde.
O sol definitivamente já é posto.
E a noite se faz em nossa volta
É na companhia das estrelas que ficam
as elucubrações
a beber seu brilho e beleza,
a se embriagar de toda a imensidão do universo.
E a se perder no labirinto desse mundo pequeno.
Mundo pequeno
Pequeno horizonte
E desperdiçamos tempo com ódios,
com crimes e com a desilusão inata
daqueles que não vão mudar os fatos.
Vão sentar, ver o sol morrer.
Ver anunciadas tragédias desfecharem
E concluir que as primaveras não são para
todas as flores
E que o outono pode guardar os frutos
para mais tarde...
Perdoem a melancolia
Mas para aonde vão os anjos
Quando morrem?
Ainda posso ver vestígios de suas asas,
De sua graça...
Mas já não posso pressentir sua presença.
E, o sol insiste novamente em morrer
Para salvar a eternidade das manhãs.