Terapia
Vim aqui para falar
Falar de mim,
das minhas coisas,
meus gostos, jeitos
e gestos.
Fonemas rompem a barreira do som e do espaço
E se esforçam para verbalizar tudo
O verbo irá nos redimir
das culpas, das mágoas,
das cicatrizes que teimam ainda em sangrar.
O verbo irá nos libertar de nossa história
E será então, tudo estória
Um relato humano repleto de reticências
e incertezas.
Um relato de flagelos de alma que gemem
dentro da gente
Vim aqui para falar
E, de repente se instaura uma mudez absurda
A palavra me foge.
As expressões parecem todas inexatas,
débeis e torpes
Em nada dimensionam o que sinto.
Esse momento de terapia
É de extrema fragilidade
Expusemos nossas dores dependuradas
no varal do consultório.
São ruidosas,
Maldosas e maléficas.
De repente, esse niilismo
Me toma de assalto
Meus olhos exoftálmicos
Tentam saltar, suicidas que são...
Meu espírito é um pingente
que irá saltar na próxima estação.
Estamos no outono.
Sobreviver as folhas mortas que caem.
A primavera que passou e deixou na lembrança
O perfume inverossímil das hortênsias
Sobreviver definitivamente é pouco.
Vim aqui para falar
Tenho enorme dificuldade
de falar de mim mesma
Embora escreva.
Escreva muito
compulsivamente
Escrevo bilhetes para mim mesma
E, os leio com a atenção dos profetas
O papel me encara com doçura
O terapeuta me olha com interrogações
crassas e absurdas
anotadas no caderninho que utiliza
durante as sessões.
Olho o relógio de relance
Na esperança de que a expiração
tenha fim.
A pausa reticente
de um suspiro ou de um adeus.
Hoje falei pouco ou quase nada
Mas ainda estou me acostumando a
sua presença,
aos seus ouvidos atentos e decifradores
Ainda estou a me acostumar com a esfinge
que irá me decifrar
ou me devorar.
Gostei de um enfeite de sua estante
Pareceu-me simpaticamente mudo.
Tomara que eu também
tenha assim parecido.