Subúrbio errante
Ordenhas a vaca inexistente,
os leitos de pedras,
a seiva das árvores,
a lágrima compadecida..
Projetas tua presença
no silêncio de sua ausência,
a silhueta que mais seduz
é feita de sombras,
a luz é apenas o contraponto.
Olhos devoram o tempo.
E as imagens
corroem o presente
como traça,
a cada olhar, menos um momento
a cada segundo,
menos um sentimento
Resta um vazio
Resta um oco
Preenchido de alma
perdida e vagante
Grito interrompe a atenção cotidiana
Olhos correm para ver o invisível,
A dor que escraviza o homem.
Que o brutaliza
Tira-lhe o fôlego,
Despe-lhe de civilidade
Só visgo ainda guarda
alguma substância humana
Suores e odores atropelam
meu caminho.
Percorro em silêncio agudo
esse trapézio irregular da calçada
no labirinto de passos
chego ao ponto final
o fim da linha,
o fim dos trilhos
depois das tarefas,
burelescos afazeres
o calor intenso
banha-me de cansaço
estreita-me a vista
gosto das imagens embaçadas
borradas de cores interessantes
e interagentes
gosto dos sons que não ouço
do fabricado contexto de monastério
coloco os óculos
ajusto a visão
e uma faca pontiaguda espeta-me
a me cortar impressões estéticas
de um subúrbio errante.