O Baú
Apagou-se a luz
Agora só resta a poeira deste porão
Abandonado como um velho capuz
Pendurado num prego sem nenhuma atenção
Talvez seja eu apenas uma relíquia antiga
Encostado, guardado, trancado
Mas quem liga?
Talvez ninguém que me tenha usado
Os dias seriam longos a partir daquela hora
Não sabia qual seria meu destino alí
Mas pela atenção, minha alma não implora
E fiquei quieto e sozinho segui
Eu reconhecia meu lugar
Não queria me passar por tolo
Nem se alguém podia imaginar
O que haveria no meu miolo
Mas fiquei quieto, por anos a fio
Naquele porão abandonado
Suportando a poeira, a dor e o frio
Sem sequer alguém ter me notado
Num canto coberto
Por um velho trapo
Tudo era incerto
Disso não me escapo
Era o que eu pensava
As vezes refletia
Eu sempre tentava
Mas nunca abria
E a minha fechadura enferrujou
Depois daqueles anos tão tristes
Da minha existência, ninguém lembrou
Que alí no canto, algo existe
Estava na sombra, encostado à parede
Mas eu nunca quis atrapalhar ninguém
Passei fome, calor, frio e sede
Mas nunca procurei querer ser alguém
Afinal eu já tinha mais que merecia
Era muito além do que eu podia querer
E a minha alma estava vazia
Apesar que meu corpo estava a se preencher
Eu aceitava meu fardo
Estava pronto para suportar
Eu de tão velho, me tornava um bardo
Mas não havia ninguém pra me ouvir cantar
Insignificante como um balcão corroído
Manchado pelo tempo que a mim espancou
Num viver um tanto doído
Que jamais outro alguém, assim suportou
Mas eu era apenas um velho baú
Fraco e exausto em tamanho abandono
Despido e exposto, sem vestes e nú
O mesmo que um dia guardou as jóias de um trono
Eis que finalmente a casa foi demolida
E lá no canto sobrou o trapo sujo
Alguém então, notou minha vida
E retirou aquele dito cujo
Fui transportado para um lindo museu
Agora recebo tantas visitas
Mas o meu conteúdo ninguém conheceu
Temendo haver, em mim parasitas
Mal sabem eles que aqui dentro há
O rascunho do mundo que deus jogou fora
Que darei a quem, um dia me abrirá
Mas este dia não é agora