Nessa casa não existem fantasmas

Coloco a chave no portão,

Duas voltas no sentido anti-horário,

Uma terceira para destrancar o vão,

Entro neste museu, como visitante e proprietário.

Ando pelos corredores, com fotos e murais,

Há quadros empoeirados, novos, e espaços não preenchidos mais,

Nessa “casa” não deveria haver fantasmas,

Mas me chamam entre suas assombrosas ágoras.

Algumas luzes são novas, outras piscam,

São todos marcos temporais,

De tempos que não voltam mais,

Ainda assim, cantam, me amam.

Tantas fotos, paisagens, cheiros e recordações,

Meu improprio propriamente dito museu,

Essas são todas as minhas derrotas e comemorações,

Meu interno coliseu.

Só consigo entrar através de sonhos,

Sonhos que perdi, que usurpei, que calei, que deixei,

De corvos medonhos,

Gritos me chamam de rei.

É um lugar que chamo de casa,

É uma casa que chamo de lar,

Me cansa, me desarma,

Aperta minha jugular.

Alguns quadros faltam,

Outros estão definitivamente brancos,

As saudades me matam,

Vejo e cheiro seu castanho.

Outras fotos são cobertas por véus,

Não há nessas paredes muitos troféus,

Alguns cheiram doce como tâmara,

Outros sinto os seu fel.

Me dói, me cansa pensar,

Mas não há de evitar,

Não há bebida que me faça cambalear,

Não há sobriedade que me evite chorar.

Vivi o que poderia viver,

Chorei o que poderia sofrer,

Esse vazio, essa ausência,

Falhando na minha própria ciência.

Andando em todos os corredores,

Sentindo todas as minhas correntes e dores,

Posso ver, posso presenciar,

A amargura que são as paredes do meu lar.

Nessa casa não há gemidos fantasmagóricos,

São apenas memórias alegóricas,

Nossas falhas e marcos históricos,

Nossas discussões, nossas retóricas.

São alguns lamentos,

Outros quebrados juramentos,

Me falha a memória,

Pois eu me sinto uma escória.

Nessa casa não existem fantasmas,

São duras recordações,

De paredes que foram pintadas,

De obras abandonadas.

Há paredes com desejos,

Há pinturas com erros,

Mas nos choros sinceros,

São sorriso singelos.

Tantas fotos, pinturas e direitos autorais,

Luzes como autoras boreais,

Cansei de pensar,

Mas não posso evitar.

Numa pequena parede, um único instrumento,

Meu velho juramento,

O violino encostado,

Severamente empoeirado.

Em paredes brancas coloco novas obras,

Feitas com sorrisos de sobras,

Perdão que eu tenha que ir,

Perdão que eu tenha que ir.

Nessa casa não existem fantasmas,

São mil sentimentos de quando eu estava aqui,

Quando fiz mil caras,

Quanto me eternizei aqui.

É um sonho que quero acordar,

Pois há coisas que não quero lembrar,

Voltando para minha dura realidade,

Arte sob a tela, óleo sob a arte: Saudade.

Nessa casa não existem fantasmas,

É um museu abandonado,

Que me trazem antigas asmas,

Mostra que fui negligenciado.

Nessa casa não existem assombrações,

São paredes com recordações,

Elas gritam por um sentimento solitário,

Uma gaiola vazia, sem um canário.

Nessa casa não existem fantasmas,

São apenas os meus miasmas,

Com suas prosas, com seus dogmas,

Minhas próprias Anátemas.

Olharei para essa casa, sem fotos e recordações,

Paredes vazias, rachadas pelas minhas ações,

Nessa casa há fantasmas e almas penadas,

Sou eu mesmo, o colecionador de almas.

Nessa casa há várias aparições,

Fazem barulhos enquanto moro sozinho,

Gemem as batidas dos corações,

Enquanto eu não faço o mínimo.

Logo vou acordar e vou me lembrar,

Sob uma coberta vermelha irei chorar,

A saudade que sinto de mim,

O carinho que já chegou ao fim.

Corvo Cerúleo
Enviado por Corvo Cerúleo em 22/07/2024
Código do texto: T8112696
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