Barra de sabão

De tanta solidão, ele decidiu morrer.

Mas a faca não cortava nem barra de sabão.

Buscou, então, outra forma de falecer.

“Já sei! ”, pensou, “vou morrer de paixão! ”.

“De paixão, sim! É morte das mais honrosas.

Viro noticia e Deus ainda me dá perdão.

No meu velório vai ter oração, choro e rosas.

A morte em si não importa,

O que interessa é a motivação.

E, já que o que conta é a tal razão,

Preciso escolher bem por quem morrerei de paixão,

Porque logo dirão que a viúva era uma desalmada,

Que foi ela a grande culpada,

Podendo a pobre coitada

Ser mesmo condenada

Ou quem sabe até...

‘C O R T E J A D A! ‘

Aí ele mudou de ideia. Pensou em não mais morrer.

Só adoecer.

Adoecer de paixão.

Não que morto ele ainda quisesse tê-la.

O que ele queria mesmo era protegê-la

Da probabilíssima ‘azaração’.

Na verdade, falavam que da morte ele tinha pavor,

Que queria mesmo era uma companhia.

E dizia: “Ninguém chora por mim”.

E confessava não ter jeito para o amor.

Como é que se vive assim?

Melhor mesmo é dar-se fim!

Depois se soube que era o ciúme que o dominava,

Que vivo ou morto ele não perdoaria uma traição.

Seu medo era tanto que ele se isolava,

Vivia só, esperando a extrema-unção,

Com um olho na faca

E outro na barra de sabão.