Espelho
Olhando no espelho, busco uma criatura,
No fundo dos meus olhos, eu encontrei,
Uma desconhecida, opaca escultura,
Do que um dia conheci, e hoje já não sei,
Por onde ficou o homem ou a figura,
Que um dia um sorriso jovem dediquei.
Um rosto envelhecido e enrugado,
Diz do que sou e do tempo já vivido,
Descuidado, o cabelo esbranquiçado,
De quem pelo destino se fez perdido,
Entre as lembranças saudosas do passado,
Tornando meu semblante entristecido.
Vejo o aspecto sombrio do sofrimento,
Refletindo um resto de vida cansada,
Empurrando ao meu ser o entendimento,
Da juventude distante, já passada,
Não sinto a opressão do sentimento,
Nem falta faz a pessoa a ser amada.
A quem nada importa, nada tem sentido,
Quando tudo é saudade ou tudo é nada,
Vejo no espelho o velho comedido,
Esperando despertar na madrugada,
A glória de um novo dia a ser vivido,
E, da lembrança, toda vida apagada.
Pensar no amor, nas loucuras, nas vaidades,
Pois o que resta de mim é consumido,
Pelo despertar das tristes realidades,
Onde o querer e o poder vão sumindo,
Em um abismo profundo das maldades,
E o que vejo é um reflexo me iludindo.
Talvez seja a luz pouco iluminada,
Deformando a imagem que apavora,
Uma sombra que não sou eu espelhada,
Um barco solto que a existência arvora,
Fragmentos de uma vida quase acabada,
Apague a luz, que o fantasma vai embora.