por quanto tempo
por quanto tempo
consigo sustentar o vazio de minhas palavras?
o lado sempre vazio da minha cama de solteiro?
o diálogo nunca vazio de segundas intenções?
a minha boca vazia de outra língua?
nem falo as coisas que quero e sustento tudo sobre minha cabeça
a cabeça não é o centro do meu corpo
o corpo fala por si só
geme e torce todas as notas
por quanto tempo?
quanto tempo até que o grito seja ouvido?
tempo dentro de mim é urgência
dentro de mim a urgência nunca é gritada
o grito dentro de mim é ouvido pelos olhos
e o corpo quando deita na cama pesa até o inferno
o fundo dos meus olhos não vêem ou não querem ver a brasa viva da verdade
as verdades quero dizer
inconstantes faíscas pulsam dentro das palavras
eu não sou apenas mais um grito?
grito felino que mugi ao tirarem o leite do cio
alimento do grito com sede de deserto
a cama de areia
nem falo as coisas que quero
falo sempre mentiras ou meia verdade
pois me assusto e me assombro com o que vejo no inferno
na metade vazia da minha cama de solteiro cabe meio mundo
meio mundo inteiro
só não cabe amor, eles dizem
cabe uma plateia inteira gargalhando e aplaudindo com os olhos marejados
só não cabe amor, eles sempre dizem
e eu tenho que inventar outra palavra pro mesmo afeto
e eu tenho que inventar outro sentido pro mesmo sentir
e eu nunca invento nada
viro de lado e me durmo sozinho
com metade do mundo me aplaudindo