Solitude, solidão, tristeza e depressão
Vício
Minha solidão virou vício
Já evito até a convivência
Desde que deixei o ofício
Temo até sua abstinência
O silêncio virou sinfonia
Que acalenta minh'alma
E traz-me imensa alegria
Que também me acalma
O sossego virou um lazer
A paz me faz companhia
Fica, pois, difícil conviver
Quando a solidão já vicia.
Minha Solidão
Sempre fiz minha companheira a solidão
Que eleva-me o estado de consciência
Em silenciosa e profunda introspecção
Tão edificante e fantástica experiência
Quando estou só, menor é minha solidão
Cá com os meus botões tenho vez e voz
Mas não murmúrio de autocomiseração
De quem está entregue à terrível algoz
Não ouço a minha voz em meio a tantos
Se estou ao desdém, a solidão agiganta
Em meio à hipocrisia perco os encantos
Fico descrente mesmo onde a fé é tanta
Mas uma legião de gente fina e elegante
Leva a gente a se sentir bem na multidão
E nela até ouvir a própria voz ressonante
Estar só por opção não é de longe solidão.
Minha Tristeza
Minha tristeza é mansa
Não é de escárnio ou indiferença
Chega-me sem pujança
Como prometesse a recompensa
A minha tristeza é leve
Não é de solidão ou desamparo
Ela é silenciosa e breve
Sai tão de repente, nem reparo
Minha tristeza é discreta
Não é de insulto ou humilhação
Ela sempre me foi secreta
Nunca chegou a ser depressão
A minha tristeza é inata
Não é de perda nem abandono
Machuca, mas não mata
Dela eu não sou o único dono.
Depressão
Como ao ar livre sentir falta de ar
Sentir frio no intenso calor humano
Abandono no aconchego do lar
Desesperança no começo do ano
Sentir fome diante da farta mesa
Desamor nos braços da amada
Maltratado em meio à tanta gentileza
Em meio à tudo sentir-se o nada
Sentir-se preso em plena liberdade
Impotente com toda autonomia
Achar deserta tão populosa cidade
E luminosa senti-la tão sombria
Triste sem a menor razão de ser
Bem aventurado sentir-se um azarão
Autocondenar-se sem o merecer
Sintomas incontestes da depressão.
Morte Interina
No momento quero só dormir
O que é morrer interinamente
Pois preciso ainda me redimir
Antes de sair definitivamente
Quero cair em sono profundo
Ininterrupto e sem os sonhos
Até ter saudade deste mundo
E findarem os dias tristonhos
Não basta um retiro espiritual
Em vigília me acabo em ruína
Minha mente sucumbe ao mal
Careço de uma morte interina.