O Inverno da Alma

 

Não sei quando ocorreu exatamente,

Mas sei que parte de mim morreu,

Ou talvez se mantenha viva,

Só que a ocultar-se de mim.

Não me lamento, apenas constato,

Nunca estive tão lúcido de mim

E justamente por isto

Nunca me senti tão perdido,

Não encontro um propósito para ser.

Qual a razão para se existir?

Já não se trata de um jogo dialético

Entre eternidade e efemeridade,

Mas o incômodo de ser,

O existir que deixou de ser nada

Para passar a ser algo.

E por que ser algo?

Eis a questão.

Afinal nunca haverá como atingir o Todo,

E por que haveria de ser?

Somente a expressão do que ignoro

Pode atingir um suposto infinito

Uma atemporal eternidade

Uma utópica e inatingível harmonia.

Sagrada é a razão que permite avaliar o sentir,

Mas santificado é o sentir no seu nascer

Sem ter a noção do que de fato é.

Pois que num balanço entre alegrias e dores,

Talvez não exista saldo algum.

E no limite o Todo e o Nada se encontram.

É o nosso incômodo de ser que denuncia algo.

Eis que é preciso ter consciência

E esta parece se construir

Num confronto entre obscuridade e iluminação

Que dia perdido na história se fez bem e mal,

E no entanto, ao olhar e tentar realmente entender

Não se consegue compreender.

Não faz sentido, não tem explicação plausível.

E toda afirmação será mera pretensão,

E ainda que necessária para que sobrevivamos,

Terá um pouco de tintas de ilusão

Pois se faz necessário uma boa dose de ilusão

Para suportar o incômodo de ser,

A perspectiva que mergulha num espaço vazio.

E neste vazio, tudo está e nada encontro,

E assim, me faço de perdido,

Dou as costas ao tempo, e esqueço de mim.

 

Gilberto Brandão Marcon

08/07/2023

Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 19/08/2023
Reeditado em 20/08/2023
Código do texto: T7865647
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