O DESABAFO DO LIVRO
Como eu gostaria de ser lido! Que lentamente minhas páginas fossem contempladas a fundo!
Que alguém se desse conta de meus primeiros capítulos, das batalhas por viver, da dotação que, de precoce, a todos confundia;
Das passagens que retratam a origem de toda solidão, dos temores e do abatimento;
Dos primeiros amores: incertos, confusos e jamais correspondidos;
Dos conflitos internos, dos desacertos e incertezas acerca do amanhã!
Às vezes me vi biografia e cri que a tônica de minhas linhas seriam eu mesmo. Mas jamais me entendi a ponto de poder me explicar!
Às vezes julguei que seria ficção e meu conteúdo apresentaria um super herói. Porém, me revelei o menor dos seres humanos!
Às vezes pude jurar que seria clássico, mas meus compêndios se alimentaram de letras escritas em tintas humildes!
Às vezes entendi que seria poesia, mas logo notei que não haviam rimas e nenhum sincronismo nas estrofes que compunham meu destino!
Às vezes imaginei que me tornaria em romance, repleto de amores e desfechos bem sucedidos. Porém, não tive o privilégio de imortalizar experiências que valham a pena rememorar!
Às vezes me contemplava pedagógico e que minhas páginas destilariam cultura e sabedoria. Mas não precisou muito tempo pra que eu percebesse que careço de muito mais leitura de vida para que almeje ter o que ensinar!
Às vezes entendi que seria literatura proibida, mas logo fui desiludido pela percepção de que todos se julgavam no direito de ter acesso a mim!
E, por fim, cheguei até mesmo a ponderar que seria livro religioso, mas as transgressões evidenciadas em cada capítulo meu, me revelam profano em demasia!
Por isso, não me atrevo a dizer o que sou. Por isso, preciso ser lido!
Como todos os livros, talvez isso dependa do olhar de quem me investiga;
E a resposta para a angustiante inquietação que me assola, seja não a definição do livro que sou, mas a que tipo de leitor eu tenha o direito de pertencer!!