prateleiras

Quando só se escolhe caminhos possíveis

Há triste certeza do finito

Da sombra escura da tarde

Do tempo a corroer tudo

Somos esculpidos pela vileza

de um vento qualquer,

paridos por um ventre qualquer.

Qualquer história é apenas mais um enredo

Na encruzilhada narrativa da vida

Tudo é cenário

Os protagonistas são atores perplexos

Em seu roteiro possuem a glória e o infortúnio

De vender-se

De entregar-se de olhos vendados

Uma parte de mim se fragmenta

E se perde na poeira

ou é digerida por ácaros

Pelas frestas, arestas em ângulos.

Superpostos emigram olhares abusivos

Espreitam imagens recônditas

Devassam privacidades fictícias

Tudo está posto

Como em prateleiras

Com ou sem vitrines

Não interessa se há a luz e simetria

Interessa que a vida nos é servida

Para poucos talheres.

Poucas sensibilidades.

Nos talheres de nossa ambição,

Dilaceramos sentidos, esquadrinhamos emoções

Contidas e contigenciadas

Todo mundo quer dar um grito agudo e contínuo

Mas não dá.

No fim, a mordaça do silêncio nos supera

E nos torna expectadores da nossa própria existência.

Tudo está posto,

Irrespondivelmente posto

Posto e exposto.

Numa disposição vetorial, explícita

Por debaixo das palavras,

Dormitando sob expressões, gestos,

Olhares e prosaicas interjeições.

Nosso medo está posto também

Na mediocridade cotidiana

Medo da morte

Medo do amanhã

Medo da dúvida

Medo da certeza

Medo do medo

A escravizarmos nossa idéia

de pretensa liberdade

Os grilhões estão expostos

reluzentes ou enferrujados,

potentes ou frágeis

Mas, nos amarram moralmente.

Indefectivelmente

É advérbio inconsciente

De modo e de tempo

E, nos afundam pelas âncoras jogadas em

lugar incerto.

Somos postos em prateleiras

Olhos percorrem perímetros

Mas poucos se adiantam na profundidade

dos conteúdos

A gente vê, mas não enxerga.

A gente sente, mas não entende.

A gente sabe, mas não é consciente.

Corpos ensaiam a pantomima de ser vivente.

Ilude-nos a dinâmica do movimento.

Mas somos apenas rascunho,

É a morte que nos eterniza,

dá o acabamento final.

A palavra final,

O gesto fatal

Enfim, o estilo que nos particulariza

Na memória das prateleiras

do mundo.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 15/11/2007
Código do texto: T738185
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