Uma rua cinzenta
uma rua cinzenta e deserta
sem artifícios e causas alheias
paz podre escancarada e aberta
casas sem cor antigas e feias
duas mesas com gente apagada
em cadeiras brancas e molhadas
pelo açúcar que escorre das taças
no sonho vil de uma vida sentada
lá vai o cachorro morto e sarnento
magro sedento e só nas alvoradas
talvez exista uma escada no céu
por onde desça às vezes um anjo
que dance as cantigas no lamento
nas quimeras e na alegria do banjo
tenho muita vontade de me ausentar
desta minha varanda fria e sem véu
vou descer aos confins do meu mar
para não ter de morrer sem ver o céu
sei que vou encontrar o meu corpo
envolvido nas algas e no sargaço
pelo manto das águas consternadas
à espera de mim que lhe pertenço
mãe que me embala no seu regaço