Poética - A elegia de uma estrela cadente na vastidão do nada
Nasci amaldiçoada pela luz funda e cega de uma estrela incapaz de enxergar o próprio brilho.
Desde então, os meus olhos tornam-se apáticos enquanto são sugados para a zona mais lúcida dentro de mim.
Se tento comunicar-me ao mundo, não me restam palavras, apenas um enorme abismo entre a minha essência e os gestos indefesos e mudos, que fazem-me esbarrar na incompreensão.
A dor que devora-me o útero, é a dor dos filhos que jamais hei de ter. É a mesma dor da inexistência;
A dor de tão pouco conseguir dar à luz a si mesmo.
Como um suicida poderia almejar extrair qualquer vida de si mesmo? Se tudo gerado em nossos ventres, destina-se ao completo fim.
Só nos resta a noite e o eterno parto dos sonhos que nunca hão de ganhar vida (...)
Quero romper a distância
Quero romper o fracasso
Mas sou cercada pelo brilho que me foi imposto; o brilho que destaca-me e amaldiçoa-me com as poesias que surgem em minha mente.
Isolada em minha luz, desvaneço sobre o clarão dos dias enquanto o universo desperdiça a minha vida,
deixando-me em um céu vazio, donde olhos, toques e afetos, cercam-me sem que nunca me alcançem na solidão.
A esperança já brilhou em meu âmago e alguns olhos ainda me fitam com esperança ao olharem para as vastas belezas do céu.
Nos recantos secretos da minha alma, eu alimento os deuses, a poesia e os olhos dos que se encontram perdidos.
Neste mesmo espaço, encontro um ventre seguro para a gestação do meu eu mais profundo; e assim, por todas as noites, eu me destaco na escuridão solitária e realizo-me através dos devaneios mais puros da terra.
Ah, solidão, ainda sim, traio-te em pensamentos, pois eis que me imagino no jardim do Éden, e tal como serpente invólucra, rastejo-me sobre os vazios de Adão e Eva.
Anseio romper o céu, anseio romper a distância, mas ó solidão, nenhum toque se equipara às tuas carícias de liberdade.
Longínqua, a noite entranha-se em meus nervos e desvela os anjos submersos nos mistérios da minha luz. Suicida, lanço-me pelos céus, esquartejando a escuridão em fatias
de um eu perdido.
Assista-me enquanto rasgo as nuvens na cadência do teu eu mais verdadeiro e oculto.
Sobre o seu pedido mais genuíno, quedarei tal como um anjo caído ao ser expulso de um falso paraíso; e na leveza crua do tempo, mostrarei-te-ei que o verdadeiro paraíso reside nos confins da tua própria alma, e nele tu podes ser quem verdadeiramente és.
- Letícia Sales
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