Os Crucificados
Desencanto que se aconchega ao peito
Como que fogo brando.
Já não é tempo das ígneas paixões,
A verdadeira graça talvez não seja eternidade,
Mas consoladora é a efemeridade,
Que tem a possibilidade de se chegar a um fim.
O tempo infinito é longo demais
Para as almas exaustas,
E nisto não há tristeza,
E nisto não há agonia,
Mas apenas a constatação,
De que tudo por fim há de passar.
Talvez nos engane um alívio tão fugaz,
Mas não é o alívio que consola,
Mas a esperança de um dia o ter,
Nada supera a esperança no futuro.
Mesmo que se o rejeite,
Mesmo que não o queira,
Mesmo porque seria tolo querer ou não.
Por dádiva de natureza
A potência de nossa vontade tem limite.
Talvez exista maior benefício
Na passividade do não fazer,
Do que as nossas tantas tentativas de construir,
A alma ativa se dilacera,
Quer ir além de si,
Quer descobrir,
Quer buscar verdades,
Tola alma ativa!
O mundo está constituído,
Não há bem ou mal,
Mas mera utilidade.
Em nossa demência criativa
Geramos frutos doces e frutos amargos.......
Mas enfim os geramos,
E nisto exista alguma graça,
Mesmo que contrafeita.
Nos onera os sonhos,
Nos fazem viver os sonhos......
Estamos distantes de nós,
Estou distante de mim,
Perdido a caminho do ponto final,
Não consigo parar de gerar vírgulas,
Talvez reticências,
Pouco importa isto tudo,
Pouco interessa se escrevo,
Pouco faz diferença tudo isto,
E isto sim tem alguma graça!
A própria insignificância
Pode ser o caminho da verdadeira liberdade,
Livre de si,
Livre dos outros,
Pois acima da indiferença,
Estará o reconhecimento de toda própria tolice.
Brincamos que nossa própria ilusão de poder,
Para cairmos ante a nossa patética impotência,
Mas enfim
Talvez seja este o meio para a conquista da liberdade.
Uns crucificados almejando
Um reino celeste de um bom Deus,
Outros igualmente crucificados,
Apenas almejando que tudo isto tenha um fim.
08/10/2005