Podia ser hoje.

Hoje é dia de juntar as folhas

De fazer o pão, de consertar telhados

Ou talvez de só ficar olhando o céu

Sentar-me no chão da calçada

Arrancar as ervas que crescem nos vãos

Pensar na vida é não pensar em nada

Nada além de esperar que ela aconteça

Hoje é outro dia

E todo dia tem sido assim

Dia de olhar a pluma passar flutuando

Fazer bolhas de espuma, buscar borboletas

De pensar nos medos que foram tolos

Em outros que ainda são

E deixar que eles cresçam

Assim, que nem contar segredo ao beija-flor

E mais uma vez fazer um pedido à estrela que cai

Hoje é dia de ficar à toa, enquanto come o pão

Fazer tocaia pra noite é o que nos resta

Olhar entre as frestas dos olhos

E esperar que outra estrela caia

De pedir ao tempo que ele pare

E aguardar que não seja atendido

Porque ele não para

Tomara, então, que seja bela a tarde

Que o vento traga uma boa mensagem

E que o coração esteja atento e a guarde

Enviar um convite à propria alma

Aguardar que ela apareça

dasabroche e floresça

Como a mais pura e bela verdade

Aquela, pela qual se espera uma vida

E que jamais se escuta, não pela sua ausência

Pedir que permaneça e nunca mais nos deixe

Quando o coração se nega a ouvi-la

E não a procura

A voz da alma se oculta

A mão conserta o telhado

Não deixa passar luz de lua

Mas a verdade insistente

Ela cresce entre os vãos da calçada

Como um sonho de luz que valsa no céu na noite

E prepara outro dia de acalmar o coração

Pra tudo que a Deus pertence

Deixa o tempo passar com a balsa

Como a alma descalça na areia de algum lugar

Não existe o mar do impossível

Hoje é dia de quebrar telhados

De espalhar as folhas

Fazer bolhas de sabão pra botar poesia

Sentar na calçada e dividir o pão dessa vida

Podia ser hoje esse dia.

Edson Ricardo Paiva.