CARTA AOS SUICIDAS
Eu e você somos um.
Menina que queria ser homem, eu e você somos um
Nesta fome que nos mói, sede lenta que nos arrebenta,
Sonho de aniquilação, que não vemos donde vem
Mas que parece vir lá do dentro
Isso que não queremos mas que tudo em nós diz para querermos
Nosso crime descoberto, nosso corpo vil, nossa perfeita, matemática
Inadequação que a tudo se encaixa
Sim, não poderemos olhar nos olhos deles amanhã,
Pois sequer suportamos nosso vil olhar no espelho!
Eu e você somos um, olhar desesperado
Tudo que queremos é a morte, tesouro sem fim
Mas nosso tesouro foi pilhado, apresado por um
Que morreu como gostaríamos
Mas estranhamente escolheu voltar, pois ele podia
Dar-se ao luxo:
Voltou para que, como eu você somos um, fôssemos um com ele
Voltou da morte para dizer que não precisamos dela
Não nos importa conhecê-la, ela é apenas vil,
E não é fim, mas alçapão: escada para baixo, para
Outra maior forma de morte, nem lenta: eterna
Nem dolorosa: esculpida num bloco de dor
Uma figura um nazareno maltrapilho lotado de amor desconcertante
Fez como um caminhão de flores que capota, rodopia
E cai de pé e de volta, espalhando toda a carga de flores pelo caminho
Pelas nossas cabisbaixas cabeças que se levantam
Espantadas de alguém que diz estranhezas tais:
“Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas.” (Mateus 11.28,29)
“Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá.” (João 11:25,26)
“Eu sou o bom Pastor; o bom Pastor dá a sua vida pelas ovelhas.” (João 10:11)
“Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede.” (João 6:35)
Mensageiro e Ele próprio uma carta viva a nós endereçada
A todos os viventes remetida, mas como que especialmente
Para nós os últimos, pois somos da criação e da dor
Aqueles mais habilitados a saboreá-la, a compreendê-la
– A ela esta carta viva doadora de Amor e doadora de Sentido –
E a dela nos apropriarmos para alimentar esse nosso desejo de morrer
Até que ele se cale e finde, exploda tendo seu estômago negativo
Entupido com as palavras de Vida do bom Jesus,
O que nos entendeu, o que nos amou, o que pagou pelo que não poderíamos.
Jesus que anseia nossa companhia, meu Deus!, logo a nossa,
Nós os insuportáveis, nós que não nos suportamos, que nos fechamos
No quarto, ele nos chama para fora, ele realiza uma festa
Meu Deus, uma festa!,
E não é como as festas que vemos das pessoas excelentes,
Ele realiza uma festa para todas as pessoas, até as últimas pessoas
Não há preconceito em seus olhos nem traição em seus atos
Ele ama a todas as pessoas e nos convida a amarmos com ele,
A sermos o amor dele andando por aí, convidando para a festa,
Encontrando os outros trancados nos quartos, nos corações,
Encontrando-os e dizendo eu lhe entendo, encontrando-os
Para lhes enxugar as lágrimas de solitários e dizer:
Eu e você somos um. E há um outro, maior do que nós
Que é um conosco. E vamos morar com Ele.
Sammis Reachers, no livro Cartas e Retornos (2021).