A ópera dos suicidas

"A melodia extraída do íntimo de cada suicida é como o arranhar dos sentidos na superfície mais frágil da existência. E é sob essa trilha sonora crua, que o disco da vida destoa de seu propósito e se perde por entre as vertigens da morte."

Por mais que questionem o teu silêncio; por dentro range a orquestra inefável de um Beethoven atormentado pela própria música que produzes.

Em divagações tu tanges as cordas intimistas de um instrumento que somente a ti pertences (...)

A surdina o abafa em melódicas desafinações que nunca hão de se afinar ao mundo. E a canção que o esvai, é a mesma que o ilumina até o seu interior dissolvido na mais densa apatia.

Vidas longínquas não tocam a eternidade que se condensa entre os dedos dos que não prolongam o som da existência. Os eternos morrem cedo.

A beleza é breve.

A música é breve.

A eternidade é breve.

Não tocamos no mesmo ritmo.

E tu sente-se breve ante as mediocridades que viver o impõe.

O mundo não quer os que nasceram para questiona-lo.

Os lúdicos e desatentos.

Os que possuem uma borboleta vadia sob os neurônios.

Ou os que moram em um casulo renegado.

Ninguém mais pode ver o retrato telúrico da orquestra bélica que os tolos chamam de fraqueza.

E como acreditam-se fortes os que nada entendem.

Pensamentos suicidas sobrevoam-te, mas tu nunca chegaste a morrer, pois sempre eterniza-se no suspiro do agora.

No céu pairam as notas celestes

das tuas memórias. E tu pensas em destruir-te para nunca mais ter que ouvi-las ou transcrevê-las no tempo.

Mas enquanto viveres, elas tocarão;

resta-te aprender a entregar-se à tua breve melodia ao mesmo tempo em que os ruídos do mundo te inflamam.

Afundam as pílulas, ressoam as cordas e tateiam a funda percepção. O crânio lateja, os tímpanos vibram;

E as crises tocam a solidão.

Os belos sonham com o cessar dos ruídos; os maestros querem gesticular o fim sobre as próprias mãos e deter todos os sons sobrepostos em suas cabeças.

Mas a vida segue, e não penses que um dia escutarão o som da tua alma, só porque tu escutas a alma das coisas; serão eternamente surdos para ti (...)

Não deixes que os ruídos do mundo se sobreponham aos teus sentidos ao ponto de cegarem a tua alma.

Não se esvaia sem antes sugar a melodia trágica da existência.

Faça a vida se dobrar aos teus pés. coordene-a e estenda-a até a eternidade enquanto compõe a ópera dos teus dias.

- Letícia Sales

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Letícia Sales
Enviado por Letícia Sales em 10/03/2021
Reeditado em 28/12/2021
Código do texto: T7203094
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