surdez
estamos surdos aos apelos do mundo
é um silêncio denso
que dá para cortar com uma navalha
é uma ausência de sentidos,
nuvens, trevas e solidão.
estamos surdos aos gritos do mundo
é um silêncio-muralha
que nos isola das angústias alheias,
é silêncio insular
a nos ilhar dentro de nós mesmos
não ouvimos nem mesmo a voz da consciência
não ouvimos,
ficamos imersos e translúcidos
não percebemos nem a vibração do som
e no agnóstico momento
onde tudo é inércia e mesmice
a pluma flutua a bailar
estranha, diante da orquestra invisível
não ouvimos os tiros,
não ouvimos as granadas que explodem,
os corações que eclodem diante da indiferença
diária e brutal
não ouvimos o desabar das emoções
que soterram almas
erosivas pelo isolamento.
essa surdez
essa certeza do falso silêncio,
essa dúvida diante do sibilar das palavras,
o eco e grito se respondem
mutuamente
perfazendo uma maiêutica
vulgar e coloquial
na minha semi-surdez
a necessidade de captar ao longe
a crina ao vento,
o farfalhar das folhas secas,
a trilha sonora das sombras da tarde.
esse silêncio como um fog
é neblina, é nuvem
e, é dúvida
é a pausa de meditação
e movimento.
rijo permaneço diante tudo
inflexível,
impassível
como se ausente estivesse
como se autista fosse
a balançar em busca do
pêndulo perdido
essa surdez
é lirismo contido
é mistério inacabado
é opus dei sem deus
é recital de pássaros,
na manhã angulosa de
chuva fina.