surpresa
surpreenda-me
quando quero de você o arlequim,
seja o pierrot
surpreenda-me
quando quero de você o verdugo,
seja a vítima
surpreenda-me
quando quero de você o zangão
seja a abelha-rainha
diga aonde há todo mel do mundo,
todas as nuvens do céu,
aonde cada estrela que se esconde
no breu da noite
diga urgentemente aonde posso
matar minha sede,
apear meu cavalo,
deixar a sós o obelisco
da avenida central
diga-me em que rumo vai seu
desvario
mas não me deixe amarrada nas
bússolas do tempo
não me deixe aqui
aprisionada no dejà-vu
essa cena que se repete
no mesmo brilho de flash
faça-me viver a paixão
num só silêncio,
num só momento
que de tão único
é verdadeiro,
irrepetível
que meus olhos sejam arrancados pela realidade
que minhas palavras sejam estirpadas de
minha boca,
que meu corpo perca seus sentidos
e, exausto só lembre da alma
surpreenda-me
com susto,
ou um soluço
com um espirro,
ou uma idéia
não permita que siga acreditando no mesmo
na rotina,
no infindável das horas,
nos relógios a me envelhecer
pois as emoções não envelhecem
o meu tempo
é o tempo por dentro
por entre frestas
por entre arestas
por entre a areia da ampulheta
as tensões de meus músculos
podem ser frouxas,
vagas e trôpegas
mas retesam e
alinham meu libido
dessa sintonia
dessa harmonia das cordas vocais
saem fonemas,
saem gemidos,
saem grunhidos
do animal ao racional
percorrem do chão ao céu
do finito previsível
ao infinito inesperado
de cada um de nós
sê pequeno em sua imensidão
sê caçador de si mesmo
arremesse-se neste abismo
diário e surpreendente
descubra-se no labirinto de viver
mas quando tudo passar,
mas quando o cálice secar,
seja o oásis no deserto
seja a sombra diante do sol
a pino
esta é pequena e frágil
mas desafia todos os dias
o astro-rei
abriga poetas e loucos
abriga mais que tudo a surpresa do
estio.