queria
queria ver seus olhos
mas há uma cegueira imensa
entre nós
ou será treva
nuvem
chuva
queria ver sua alma
mas há uma barreira imensa
entre nós
não é dique
não é a muralha da China
mas é filtro inescapável
queria tanta coisa
e hoje me pego querendo
apenas viver mais um dia
mais uma ausência menos doída
quero apenas o silêncio discreto
das paredes brancas
quero apenas o monge da torre
enclausurado em suas preces e
pensamentos
queria tanto coisa
e fui desistindo de tudo
a cada dia
perdi tudo
e a vantagem é que nada mais
tenho a perder
não posso ser feliz
não posso ser livre
não posso querer tudo novamente
porque hoje descobri que é inútil
esse vazio intenso
esse não-querer aquecido
com o bafo de panela vazia
essa água que molha mas não lava
essa lágrima que corre mas não faz cessar a dor
a infinita angústia de esperar o dia seguinte
por um milagre
por uma benção caída do céu
e agora, só me vem essa chuva fina
parca, grogue de meus pensamentos enuveados
esses raios fugidios que nada iluminam
o estrondo distante do trovão
e o sal do mar a queimar a pele
brandamente
como se temperasse-me para o fim.
queria muito
hoje
quero pouco ou nada
porque tanto faz
meu querer cessou
cicatrizou e deixou tatuado
na alma o gosto amargo da decepção.