exagero
Enquanto por mim decantam tantos fatos súbitos sequentes
Enquanto destilo o caldo grosso da acontecência farta recém chegada
No que sedimento a tornância da fantasia em realidade:
Inspiro uns tantos vapores de ilusão nova ou remanescente
A afluência estonteante do jorro descontrolado da palavra
Descontrolada também
(Incrível: de tudo o que vim de fazer nesse passado próximo bizarro
Que foi tanto, e tão insólito e ousado,
Só me arrependo do que falei, não do que fiz).
O fedor do excesso (da palavra, não do que fiz)
O cheiro acre do ridículo (do que falei sentir
Ou do sentir, nesse caso não sei. Quiçá de ambos)
E o eflúvio do senso dissolvido
(Não sei se a palavra dissolve o senso ou materializa o choque).
O que sei é que não quero mais falar.
Essa maldita mania de tornar tudo em verbo
Não quero que estrague de novo dessa vez tudo o que andei
A tendência de narrar, talvez buscando espanto ou chancela
Contar história boba
(Pra que tanto desnudar intimidades?)
Mas tem mais: a distância é mesmo muito grande
De tempos e mundos. De formas e forças.
De histórias certamente.
Talvez isso importe.
Provavelmente importa. Não que torne impossível, mas provavelmente impossível.
E é ridículo sentir, viver e especialmente falar tanto o contrário disso
Ou simplesmente falar tanto do provavelmente impossível
Falar sentir, falar poder viver: é a derrocada do senso.
Fechar os olhos para a elegância da negativa tácita
Do silêncio da retração, apenas sutilmente manifestada.
(Ou talvez nem tão sutilmente assim:
Talvez apenas delicadamente
E o mais seja só falta da percepção, alienada já em novo projeto de ilusão)
Desprezar o dissenso do querer, imageticamente posto.
Enfim, não é hora de euforias e festas.
É hora da sobriedade. E então fica frágil o “e daí?”.
Porque não basta. Porque não supre. Não se nega, mas não supre.
(Aliás, o que haverá que supra: o amor?
A suspensão da solidão por prazo indeterminado?
Ou o só habilidoso malabar entre caos e realidade?
Ou a aceitação do caos da realidade na ambivalência?)
Não quero mais falar. Não quero mais cozer histórias
Como pratos mal executados
Nesse cozimento lento, eterno, desmanchante
Que sempre deixa algo cru.
O exagero. O excesso persistido.
Este texto já está um exagero. (Que raiva.)