Ponteiros
"Quem os relógios inventou? Decerto
Algum homem sombrio e friorento:
Numa noite de inverno, tristemente
Sentado na lareira ele cismava,
Ouvindo os ratos a roer na alcova
E o palpitar monótono do pulso."
(Álvarez de Azevedo)
Nos ponteiros desse relógio
em minha parede
vive tanta solidão.
No tic
ou no tac,
tanto faz.
Eles não se importam com a ordem,
com o dia da semana
com o mês
ou com a aflição.
Em meio ao silêncio,
esses pequenos ruídos
são como trovões.
São rugidos.
São gritos.
Quantos estão agora,
nesse mesmo instante
com a cabeça entre os joelhos,
tentando não ouvir esse som
enlouquecedor.
Esse tic
Tac
Tic
Tac
Tic
TAC
são como os passos próximos
e contínuos
de alguém que não chega nunca.
Os ponteiros
carregam a tristeza
que transborda dos corações.
Neles, tudo se vai.
Neles, não há espaço
para a piedade.
Mas, talvez
a clemência seja
justamente
o fato dos ponteiros
continuarem a girar,
carregando todo o peso
que não suportamos.
Talvez, piedade seja
o relógio
engolindo tudo.