grafia e cor
o frio conserva
as cores intensas
o roxo mais parece azul
o azul por vezes parece roxo
há um tom violáceo nos hematomas
nos calafrios
a sensação térmica afeta
retinas, o tato e até pensamentos
sentimos saudades do calor do ventre materno
do ninho que a mãe construía no berço ou
no moisés
o último ninho
o último carinho
como pode a mãe fazer um último
afago em sua cria
e partir assim
inexplicavelmente
inexoravelmente
sem olhar pra trás
sem titubear
sem bambear as pernas
caminhos tortuosos
nos leva a conhecer a geometria da vida
quadriláteros nos encarceram
círculos viciosos nos embriagam
até o vômito ou o tédio
elipses pragmáticas nos faz
crer no conjunto
e nas partes do conjunto
partes partidas de um todo
irrecuperavelmente partido,
rompido,
corrompido pelo tempo.
as cores diante do frio
parecem mais vivas
mais tensas como as andorinhas
presas nos fios
a encenar notas musicais
apenas imagináveis
a nos indicar uma trilha sonora
íntima, rítimica
como os tambores das galés
romanas...
intenso ritmo de vida
itensa velocidade da escrita
um traço e tudo se revela
o egoismo, a solidão,
sua força psiquíca
sou fraqueza óbvia
ou seu ser subliminar
biografado e impresso
em forma sintética
por sua assinatura
traçamos o mundo pela
grafia
a grafia decifra as pessoas
como enigmas de oráculos
como parábolas
como lendas
como signos dos signos
a simbolizar a imagem e semelhança
a simbolizar a crença e a verdade
não posso crer no absoluto
determinismo
mas nas verdades entrelinhas
nas palavras ditas e malditas
nos versos que nos revelam
e nos traem
por serem anteriores a nós mesmos.
as cores se mostram assim pardas
pintadas em outonos de meia-idade
por senhoras balzaquianas
por meninas que perderam a infância
por mulheres que abortaram suas primaveras.