poema da despedida

vim aqui

até aqui, nessa geografia distante

nesse instante infinito de agonia

para dizer adeus

dizer que seguirei sozinha

com minhas coisas,

minhas crenças,

meus valores aninhados no espírito

arredados numa alma

balouçante.

o soluçar das lágrimas,

o breve aceno de adeus,

o último olhar,

o último silêncio

pontuarão reticências

que um dia serão decifráveis

serão equações abstratas que

explicam a dor

e lirismo

mas ser apenas um sobrevivente

encalacrado nesse mundo

é reles demais,

é sujo demais,

é inumano.

não posso.

esgotaram-se meus mares de lágrimas

esgotaram-se os desertos áridos

de entardecer punjente

colorindo de rubro minhas faces amareladas

colorindo de rubro

esse fim patético

sangrando o dia por dentro de minhas veias

vim aqui

humildemente

me despedir

me despir da ironia,

da hipocrisia

e, partir como vassalo vencido

vim aqui

sem esperanças

num vento qualquer

elísio

passeante pelas frestas mundanas,

desgastadas e

sombrias

a partida é apenas o começo de algum regresso

provável

imenso e disperso entre palavras escritas

numa manchete de jornal

desaparecer simplesmente

é poético

e exilar-se da dor,

da sarjeta dos sentimentos inúteis

desaparecer é viajar no tapete

mágico

é dizer mil palavras mágicas

é alcançar o Everest num só fôlego

é atingir o centro de tudo

é preencher

a ausência de tudo,

é a vida em contraponto da morte.

não quero choros

não quero reconhecimentos tardios

não quero flores

só quero a atenção dos poetas

habitantes recônditos

de cada um de nós

a nos irmarmos diariamente

na beleza prosaica

na esquina repleta de vira-latas

no troco miúdo a caber em bolsos

nos cafezinhos de beira-de-estrada

a nos igualarmos

nesse oceano de diferenças

a nos pinçarmos da diluição

numérica das estatísticas

sentir, pensar

pensar e sentir

sentir e partir

para não ter que olhar para atrás.

vou mergulhar nesse interior

e me fechar hermeticamente

para então viver em paz

aberta para o céu,

presente nas folhas do outono,

no pólen

das flores banidas,

nas montanhas e nas despedidas sem fim.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 04/10/2007
Código do texto: T680870
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