Ideias perigosas
Conversei com Donald anteontem
e depois de muita arenga
ele me disse: sabe Negron,
se eu morresse agora,
se eu caísse aqui duro feito
o pau de um tarado
ninguém sentiria falta,
não faria diferença,
sabe, essa é uma ideia que sempre
me vem à cabeça: vou sair dessa
do jeito que entrei: sem ser convidado
e saído sem ser mandado,
mas isso acontece com todo mundo porra
pouco importa se no topo da montanha
ou com todas elas sobre os ombros,
serei só mais um na fila desse pão maldito
que a vida amassa e despreza.
Eu escutei silente, tinha o gosto da cerveja
na língua, perto do início da goela,
deixei Donald viajar, afinal também tenho
minhas filosofias de indiferença e suicídio.
A merda é que essas ideias perigosas
assolam qualquer um, como ele bem disse,
não é privilégio, muito menos castigo
é a cruel sentença que mantém a lucidez
atenta ao fato de que não pertencemos
a este lugar, somos forasteiros.
Então voltei a meu cafofo em Tortuga
e desfiei na minha ressaca
a vaidade macabra de querer exclusividade
no festim diabólico da insignificância
da vida.
Donald estava e não estava certo,
mas os pregos que ele bateu
em minha cabeça atormentada
me atormentam até hoje:
ninguém vai notar se eu
tomar um analgésico
ou sair dessa agora.