Sossusvlei
retornaram os sonhos arenosos
dunas instáveis aos zéfiros
faço da carne areia
o inverso de Adão
parte dos desertos do Namibe
esmagada às patas dos antílopes
a receber carícias das serpentes
às vezes ponho-me a ouvir
dispersa sobre a rocha
a desolação da cotovia
que pressente o sol se pôr
habita os passeios de Deus
nestes ventos mornos
imagino sentir-Lhe os pés
entre um desfazer-me e outro
na proximidade da costa
num desses, encontrei ciência
dentre uma forte chuva
era Deus rindo-se da Welwitschia
que Lhe sorriu entre as cabeleiras
era assim, a ordem natural
das coisas que se faziam existir
sem precisar das metafísicas
de perder-se num deserto com propósitos
pois os propósitos já estavam
como por si mesmos
embutidos nas vísceras e sementes
cessada a chuva, o abismo do céu -
todo anjos em roupas azuis
e misturados nas vivas dunas
em súbita vergonha, reuni-me em carne
pois sendo eu quem sabe Lhe arrancaria
os risos do relâmpago e da gnetófita
risos de Pai satisfeito, o filho bonito
porém, em carne, ossos e cabelos
os humanos olhos nada mais viram
que as dunas cegantes
do finito deserto
era isto, era isto ser humano
sentei-me à rocha
toda a consciência de Deus
nas coisas todas, todas elas
e a pequenez de não vê-Lo
por ter-se afastado da ordem
e não ser criatura enquanto carne
chorei abundante
tal qual a tempestade que se fora
e sob as roupagens celestes
do céu de abismo e calor e tormento
ouvi o canto da cotovia
que decerto ria-se à presença Dele.