secretamente
dezenove graus
é frio e venta
sibilam as árvores,
garguejam os galhos
e, num outono inexistente
jaz um verão falido
dezenove graus
e dezenove ângulos da mesma realidade
muitos goles de cerveja,
muita incerteza,
uma alma moída como caquinho de vidro
passando por debaixo da porta,
alojando-se sob sombras
escondendo-se no mimetismo diário
de um sorriso
dezenove graus e, lá fora
há o desafio da sobrevivência
pessoas dormem no chão cobertas
de papelão
servem-lhe sopa quente e pão
o sino da igreja alardeia a ave-maria
as preces parecem necessárias
perante tanta miséria
e desgraça
a volta dos bares
uns bebem,
uns gritam
e todos sofrem
em medidas iguais por razões diferentes
percorro o longo caminho de volta,
a dedilhar o frio na espinha
do casaco tênue
que lembra a tepidez do útero materno
agora deitada medito
sem mantras
algumas passagens talmúdicas
outras, bíblicas
e, o coração humano
resta indecifrável
diante tantas variações térmicas
dentro de um mesmo dia.
dia, vida ou estrela
todos conhecem metade
e. a outra metade se
alumbra
no opaco das manhãs decadentes.
quando a estrela se apaga
acende em nós secretamente
uma nova esperança.