secretamente

dezenove graus

é frio e venta

sibilam as árvores,

garguejam os galhos

e, num outono inexistente

jaz um verão falido

dezenove graus

e dezenove ângulos da mesma realidade

muitos goles de cerveja,

muita incerteza,

uma alma moída como caquinho de vidro

passando por debaixo da porta,

alojando-se sob sombras

escondendo-se no mimetismo diário

de um sorriso

dezenove graus e, lá fora

há o desafio da sobrevivência

pessoas dormem no chão cobertas

de papelão

servem-lhe sopa quente e pão

o sino da igreja alardeia a ave-maria

as preces parecem necessárias

perante tanta miséria

e desgraça

a volta dos bares

uns bebem,

uns gritam

e todos sofrem

em medidas iguais por razões diferentes

percorro o longo caminho de volta,

a dedilhar o frio na espinha

do casaco tênue

que lembra a tepidez do útero materno

agora deitada medito

sem mantras

algumas passagens talmúdicas

outras, bíblicas

e, o coração humano

resta indecifrável

diante tantas variações térmicas

dentro de um mesmo dia.

dia, vida ou estrela

todos conhecem metade

e. a outra metade se

alumbra

no opaco das manhãs decadentes.

quando a estrela se apaga

acende em nós secretamente

uma nova esperança.

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 03/10/2007
Código do texto: T678215
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